segunda-feira, 23 de outubro de 2017

As livrarias e os escritores

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     Sempre é bom visitar livrarias. Dá-se ali um impacto no espírito. Fica-se sabendo do que pensa o imenso país. Mesmo que, às vezes, as livrarias sejam pequenas, modestas. Lá dentro vigora um mundo que outrora era exclusivo da literatura. Hoje os livros se misturam com os eletrônicos, os elementos de papelaria, até com as coisas úteis para o lar. Há os que nelas entram movidos por paixão livresca. Há os que vão conduzidos pelo tédio. Há os que procuram o seu silêncio de catedral. Há muitos motivos para se ir a uma livraria.
     Uma imensa maioria da multidão apressada não vê razão alguma para entrar em livrarias. Então elas, as livrarias, se tornam um vasto deserto do tamanho do imenso país. Tudo desertificado. Os livreiros e seus funcionários se preocupam com o que vai ser amanhã. As portas podem fechar.

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     Livrarias brasileiras produzem impactos no espírito de escritores. Não nos espíritos dos escritores estrangeiros. Que chegam em ondas, traduzidos e retraduzidos, para o riso dos livreiros e seus funcionários, para que amanhã as portas não fechem. Todos sabem que as hordas nativas apreciam com louvor aquilo que se faz lá fora. Nada de folclore brasileiro, mas sim os vampiros e lobisomens elegantes da Europa. Nada dos nossos dramas cotidianos, que isso a televisão conta melhor. Nada dos nossos pensamentos, que não sabemos pensar. Já se vê a cara desdenhosa de quem indaga e decide: "Literatura nacional? Nem pensar".

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     Que impacto de espírito é esse que se dá nos escritores brasileiros? Sentimento de frustração?
     Muitos dizem que não vale mais a pena escrever. Vão pintar aquarelas, montar instalações com vídeos nos centros culturais, fazer arte de rua ou qualquer coisa. Mas será que se justifica o frustrar-se do escritor?  Definitivamente, não. Por que, então, um escritor se frustra? Porque se esquece que o essencial de escrever é o escrever em si mesmo. Escrever por necessidade vital, assim como, para o navegante, viver não é preciso, mas navegar sim.
     Apenas se justifica no escritor um sentimento mais intenso, mais abissal. O de sentir que falhou ao escrever a sua obra. O de constatar que a literatura não se pôs dentro dele, como um som de abismo, e que as palavras vindas à superfície não passavam de simulacros de linguística. Não havia gênese de mundo. Não se deixou clarear a literatura que só aparece quando o escritor está aberto ao seu apelo. Isso sim dói genuinamente.
     A outra dor narcísica é café pequeno. É pequenez de espírito se frustrar por falta de reconhecimento do público. As multidões não merecem a dor de um artista da palavra. Haverá um dia em que as livrarias, mesmo as mais simples e provincianas, deixarão de ser o grande deserto em que se transformaram por causa das multidões robotizadas.
     Enquanto isso, que cada escritor faça o que lhe cabe: escrever. Como o faz um artesão de mundo.

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