terça-feira, 28 de agosto de 2018

Platonismo botafoguense


   Raras vezes desci a serra para ver o Botafogo jogar e voltei contente do Rio. Ou sou pé-frio, ou meu time tem birra comigo e não vence por teimosia. Ainda assim, na semana seguinte, lá estou eu novamente a insistir por um pouco de alegria. Mas o Botafogo não dá sinal de vida.
   Nem sempre foi assim. Em meus tempos de menino na Amazônia, época sem televisão (que só chegaria a Manaus mais tarde), eu me valia do rádio do canto da sala. Ficava encostado no rádio. A transmissão era bem ruim, uma chiadeira interminável. Mas a voz do locutor a narrar o jogo do Botafogo no Maracanã me transfigurava todo: eu não ouvia a narração, eu enxergava imagens de grandeza, um filme de luta em que estrelavam Manga, Nilton Santos e tantos outros. Foi assim que comecei a torcer pelo Botafogo, ainda criança de imaginação fecunda: o Botafogo era uma idealidade, o Botafogo não era algo de se tocar com as mãos. Mas o que eu imaginava era sim realidade pronta para ser conferida: muitos craques, muitas vitórias, muitos gols, muitos títulos.
   Vim então para o Rio. Fui conhecer o Maracanã, que era bem menor do que o estádio imaginado pelo menino: um lugar onde os jogadores ficavam bem pequeninos para quem estava assistindo à partida da arquibancada. Tantos anos se passaram, agora o Botafogo joga mais no Engenho de Dentro e o Maracanã ficou muito menor depois das obras para a Copa de 2014 (menor em tamanho, menor no que lá se vê). Tudo ficou mediocremente menor.
   Preciso reconhecer: os jogadores do Botafogo de hoje têm um peso excessivo sobre eles e talvez se embaracem no gramado porque desconhecem a grandeza que o time já teve. A grandeza que era bem terrena, bem empírica, bem de se tocar com as mãos, bem de fazer muitos gols, bem de conquistar títulos. E que agora se tornou reminiscência, idealidade que não quer mais virar coisa humana, uma sensação de fogos fátuos e fantasmas no gramado. Os craques se foram, alguns envelheceram, alguns já se foram para longe daqui. Mas eles vivem na imaginação de quem, na arquibancada, espera, espera e espera. Fantasmas que me trazem aquela grandeza perdida e não me deixam esmorecer.
   Quando é o  próximo jogo?
   Lá estarei. Como se fosse ainda uma tarde de domingo com um rádio de pilha no canto da sala. A imaginar os meus heróis de outrora: Jairzinho, Gérson, Zagalo...
   Quem sabe, dentro de campo, vez por outra, os jogadores de hoje tomem jeito de luta e arte. E peguem o gosto de vencer! Ah isso vai ser bom: vou subir a serra bem contente.