segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Os deuses e a ordem política e social

1. Introdução
O livro X de As leis de Platão destaca a gravidade das licenças e insolências cometidas pela juventude, sugerindo, em seu preâmbulo, para que se elaborem sabiamente as leis do Estado, a necessidade de educação dos cidadãos, fundamentando-a na crença aos deuses: “ninguém que acredite, como é prescrito pela lei, na existência dos deuses, jamais cometeu uma ação ímpia voluntariamente ou proferiu uma palavra criminosa” (Leis, X, 885b). Por conseguinte, entre os que praticam e/ou estimulam a injustiça, encontram-se os ímpios, agrupados pelo ateniense (em debate com Clínias e Megilo, os outros protagonistas do diálogo) segundo três convicções: aqueles que não acreditam nos deuses; aqueles que acreditam nos deuses, mas não que estes se importem com os seres humanos; e aqueles que acreditam que os deuses são passíveis de serem subornados por oferendas e orações.
Evidencia-se, na elaboração do projeto legislativo para o Estado magnesiano, a predominância do caráter essencialmente educador da lei, cujo alcance pedagógico deve ser estendido à cidade inteira, não mais se limitando apenas ao governante. O discurso filosófico se apresenta como sustentáculo da legislação, em forma de preâmbulos, nos quais se formulam e se fundamentam as normas do bem agir, precedendo os preceitos coercitivos do legislador; em outros termos, vem, primeiramente, a persuasão e somente depois a coerção. A correta educação deve ser aplicada continuamente desde a infância até a velhice[1] e, neste sentido, encaixa-se o papel pedagógico da constituição legal.
Também fica evidente, no discurso sobre a crença nos deuses, a tentativa de se legitimar metafisicamente as leis humanas, confiando-se plenamente no ethos divino, ao invés de amparar-se, por exemplo, na vontade dos mais fortes ou dos mais ricos. Ao tomar como base a moral fundada pelos deuses, pode o homem justo amar a justiça em si mesma, diferenciando-se do homem da “moral” comum, que é propenso a obter vantagens com a injustiça, ao mesmo tempo em que se escuda na proteção das leis, reivindicando, hipocritamente, valores e fazendo discursos de aparência sobre o bem, sem qualquer relação com o ser. Vê-se em tal comportamento um simples cálculo de interesse pelo homem que, embora amando secretamente a injustiça, se priva de realizá-la, não porque ame a justiça, mas para não ter de sofrer as injustiças alheias ou mesmo sofrer punições. O célebre mito do anel de Giges desvela o auge da injustiça: assinala que o sonho secreto de cada homem é parecer justo sem o ser (República, II, 359b sq.)[2].  Ressalte-se, contudo, que a divindade em Platão não é a mesma apregoada pelos poetas, mas sim um Bem supremo, que é comprovado dialeticamente pela filosofia. O filósofo converte-se, pois, em legislador, empenhado em educar toda a cidade contra a impiedade dos discursos dos poetas e materialistas, que, em verso e prosa, desconhecem a anterioridade da alma em relação ao corpo, pondo em primeiro lugar o que é último, isto é, os princípios materiais. “A alma é mais velha que o corpo, e não diferentemente.” (Leis, X, 892c).
Ao identificar a impiedade como gênese da injustiça e estabelecer leis para que os ímpios renunciem ao seu ateísmo em favor dos caminhos dos piedosos, o ateniense atribui diferentes tipos de prisão e castigo, com o fito de restabelecer a justiça. Ao fazê-lo, termina por incluir, entre os apenados, aqueles que, embora não acreditando em deuses, nem por isso perdem seu caráter naturalmente justo – ou seja, pune-se o justo pelo fato de ser ateu e não porque seja injusto. Sem contar que, ao aplicar as leis para os demais ímpios, termina por recair no que antes se queria evitar: a vontade arbitrária do mais forte – no caso, o Estado. Trata-se, pois, de uma dupla contradição, isto é, tanto ao defender os deuses – que não precisam da ajuda humana – com as penas dos homens quanto ao punir o justo não porque seja injusto, mas por ser ímpio.
Com uma breve reflexão sobre o que significa justiça no pensamento de Platão e o sentido das leis contra impiedade, pretende-se, neste breve ensaio, tentar compreender essa aparente antinomia.


2. A justiça em Platão e o sentido das leis contra a impiedade
            Nosso breve ensaio se estrutura em três partes: numa primeira, esboça-se o conceito de justiça em Platão, com base em seus argumentos sobre o homem e as virtudes cardeais, presentes nos quatro primeiros livros de A república; numa segunda, descrevem-se os tipos e subtipos de crimes de impiedade e as diferentes prisões para as quais são destinados os ímpios, conforme o estabelecido no livro X de As leis; e, finalmente, numa terceira, comenta-se sobre a aparente contradição do fato de uma lei humana punir em nome dos deuses.  
            Tratemos, inicialmente, do conceito de justiça em Platão.
            Toda a práxis política em Platão se volta, primordialmente, para a dimensão ética e política da existência humana. Segundo Jaeger, “o problema para o qual desde o primeiro instante se orienta o pensamento de Platão é o problema do Estado” (2003, p.749). Toda a argumentação política e ética platônica, em A república, como se constata já na leitura do livro I, tem como ponto de partida a busca da definição de justiça. Tem em vista com isso estabelecer uma nítida diferenciação entre as esferas da ética e dos apetites desmedidos, pois no agir do homem se mantém uma relação nem sempre simétrica entre lei e desejo, e é dessa assimetria que, geralmente, emergem as crises morais. Comumente, nessa relação entre desejo e lei, o homem se situa em três posições: ou dá preponderância ao desejo, em detrimento da lei; ou abre mão do desejo em prol da lei; ou opera o desejo em níveis mínimos, isto é, na justa medida, em conciliação com a lei.
            Como em seus diálogos anteriores, Platão, por meio de Sócrates, continua a utilizar o método dialético em A república, em torno da definição de justiça. Diante de Céfalo, para quem a justiça é “dizer a verdade e devolver o que se tiver recebido de outrem”, diz:

Belas palavras as tuas, Céfalo, disse eu. E, assim, afirmaremos que em si a justiça é simplesmente dizer a verdade e devolver o que se tiver recebido de outrem? Ou que é possível, às vezes, agir com justiça e, às vezes, contra ela? Por exemplo, quando alguém, de um amigo que estivesse em seu juízo perfeito, recebesse armas, se, estando fora de si, ele as pedisse de volta, todo mundo diria que não deve devolver tais armas e que não agiria com justiça quem as devolvesse, nem se quisesse dizer toda a verdade a alguém nesse estado. (A república, I, 331c).

            Já com Polemarco, que se faz porta-voz do poeta Simônides, para quem a justiça seria devolver a cada pessoa o que lhe é devido, Sócrates apresenta sua refutação com o paradigma da techné (técnicas). Sócrates diz que quando o poeta usou a expressão o que lhe é devido, ele pensava que o justo seria dar ao outro o que lhe convinha:

Então, se alguém lhe perguntasse: “Simônides, a quem e o que a arte chamada medicina dá o devido e o conveniente?”, o que pensas que ele nos responderia? Polemarco responde: “Evidentemente que aos corpos dá remédios, alimentos e bebidas”. (A república, I, 332c).

            Ora, Sócrates, para opor-se à pretensão democrática de que cada um pode se exprimir sobre qualquer assunto, apresenta o paradigma da techné, ou seja, o critério técnico que deve ser plenamente seguido por todos. O saber técnico é o exemplo de um saber reservado. Quando se toca um domínio de competência particular, cada um concorda que a palavra deve ser dada ao homem de arte, àquele que mais sabe do assunto. Tem-se aqui a pedra fundamental do socratismo, que torna ilegítimas as pretensões democráticas da multidão, pois, muitas vezes, um só indivíduo pode ter mais razão do que muitos.
            A dialética e a associação com as technai (técnicas) também são usadas por Sócrates para refutar o sofista Trasímaco, que vê a justiça como o interesse do mais forte. Ele demonstra a hierarquia das técnicas, dizendo que as diversas artes não têm por objetivo a sua própria vantagem, pois não necessitam de nada, mas sim a do indivíduo a que se aplicam. As artes governam e dominam o objeto sobre o qual se exercem. A medicina, por exemplo, não visa ao vantajoso para a medicina, mas para o corpo. A equitação, por sua vez, não visa ao vantajoso para a equitação, mas para os cavalos; e assim por diante. Desse modo, Sócrates afirma a Trasímaco que

[...] nenhuma outra pessoa, em nenhum posto de comando, na medida em que é chefe, tem em vista e impõe o útil para si mesmo, mas o útil para o governado e para aquele a quem ele presta serviço e, voltando os olhos para isso e para o que é útil e conveniente para aquele, diz tudo o que diz e faz tudo o que faz. (A república, I, 342e)

            Esse diálogo se aprofunda pela antropologia platônica no livro II de A república, no qual, devido ao impasse sobre a definição de justiça, Platão ampliará seus comentários sobre as technai (artes) e buscará encontrar, pela dialética, uma techné superior, aquela que conterá o logos do ser e na qual se encontra a capacidade dos belos discursos e a arte de governar. Duas argumentações sobre a definição de justiça merecem destaque: a de Glauco, a partir do raciocínio de Trasímaco, e a de Adimanto, em sentido contrário à de Glauco.
São três os pontos argumentativos de Glauco: o primeiro, o que afirma ser a justiça e qual a sua origem: a justiça seria um acordo entre os homens, mediante o qual estes se privam do maior bem, que é cometer a injustiça, em vista de não sofrerem o mal maior, que é ser vítima da injustiça; o segundo, o que afirma que todos os que praticam a justiça o fazem contra a vontade do que realmente gostariam de fazer, ou seja, todos gostariam de praticar a injustiça, em decorrência da predominância do desejo ilimitado sobre a lei (primazia da epythimia em cada homem, isto é, do desejo sensível); ora, ao se conceder ao justo e ao injusto a possibilidade de fazerem o que bem quiserem, sem coerção, logo se apanhará o justo em flagrante a cometer injustiça, ou seja, buscando o mesmo objeto buscado pelo injusto, em razão da sanha, hybris; o que se busca como bem (quando invisível, como no mito do anel de Giges) é o bem sensível; a justiça, por conseguinte, é vista como uma repressão do desejo; e o terceiro, o que afirma que a vida do injusto é muito melhor do que a do justo, uma opinião não compartilhada por Glauco, embora este se sinta embaraçado por ouvir como válidos os argumentos de Trasímaco e outros sofistas, que dão a esses discursos dissociados do ser uma aparência de verdade. Quanto a Adimanto, a argumentação sobre a justiça se põe em sentido oposto ao de Glauco. O argumento apresentado é uma tese elogiosa à justiça, mas se percebe que, por trás da aparência de verdade do discurso, o que se assume é a injustiça, o propósito de se desacreditar a justiça.
Fica bem evidenciado o caráter problemático da tarefa de se definir a natureza e a origem da justiça. Em Glauco, inicialmente, entende-se que a origem e a essência da justiça se encontram no dilema de situar-se entre o maior bem – cometer impunemente a injustiça – e o maior mal, o de sofrê-la quando se é incapaz de confrontar-se o injusto. É por isso que se originaram as leis e as convenções, considerando-se legítimo e justo o que prescreve a legislação. Ora, mas Glauco também se vale do mito do anel de Giges para realçar a epythimia (apetite corporal) como causa da injustiça cometida pelo homem, cuja natureza – sendo justo ou sendo injusto – é deixar-se levar pelas ambições, pelas paixões e pelo desejo de prevalecer sobre os outros. O indivíduo é um problema para a justiça, por isso é fundamental tratar antes o todo, isto é, a cidade. Além disso, Glauco afirma ainda que a vida do injusto é muito melhor do que a do justo. Esta parece não ser a opinião dele, mas é o que costuma ouvir da maioria dos homens que se pronunciam a respeito disso. Ao fazer um juízo da vida do justo e do injusto, Glauco demonstra que os ditos homens justos praticam a justiça apenas para receber honrarias e recompensas e não porque sejam realmente justos. Em outros termos, o injusto se dissimula habilmente quando realiza alguma má-ação e quer ser superior na injustiça. E o justo é aquele que apenas parece ser justo, e por isso é recompensado pelos outros. Assim sendo, as opiniões que situam a injustiça sobre a justiça só comprovam como a vida do injusto parece ser melhor do que a do justo. O injusto governa a cidade graças ao seu aspecto de homem justo, mas, em contrapartida, arranja mulheres onde lhe apraz, constitui associações de prazer e negócios com quem lhe agrada e tira proveito de tudo, porque não tem escrúpulos em ser injusto. Normalmente, ele prevalece sobre os adversários, enriquece ilicitamente, prejudica os inimigos, ajuda os amigos e chega ao cúmulo de obter até mesmo favores dos deuses a quem oferece sacrifícios e oferendas. Todo esse quadro aponta um favorecimento ao injusto, por parte dos deuses e dos homens, o que lhe faz viver melhor do que o justo.
Quando Glauco acaba de falar, é a vez do seu irmão, Adimanto, discursar. E Adimanto apresenta tese contrária à de Glauco – a tese dos que elogiam a justiça, mas assumem a injustiça –, porém com o propósito de também desacreditar a justiça. Afirma que é comum elogiar a justiça não pelo que ela é em si mesma, mas pela reputação que acarreta, ou seja, as pessoas se mostram justas apenas para receberem os benefícios da aparência. Ora, segundo Adimanto, todos celebram como boas a temperança e a justiça, mas as consideram difíceis e penosas; ao contrário, a intemperança e a injustiça lhes parecem agradáveis e de fácil domínio, somente vergonhosas na ótica da opinião pública. Até os deuses reservam, muitas vezes, aos homens virtuosos, o infortúnio e uma vida miserável. O injusto chega a fazer negociatas com os deuses para obter o que deseja e ambiciona. Mostra-se aqui, mais uma vez, a injustiça como o resultado da primazia do desejo corporal (epythimia), que deve ser controlado para o bem da cidade. Afinal, na Atenas daquela época priorizava-se parecer justo ao invés de ser verdadeiramente justo, ou seja, um homem que fosse justo sem o parecer jamais tiraria proveito dessa condição; ao revés, só teria aborrecimentos e prejuízos. Mas se fosse injusto e gozasse da reputação de justo, lhe diriam que levava uma vida divina. Portanto, a aparência surge como distribuidora da verdade e senhora da felicidade. Era com base nisso que os pais e mestres educavam as crianças. Então, por que motivo se deveria preferir a justiça à injustiça?
Está claro, no exame da argumentação de Glauco e Adimanto, que o problema da injustiça e da decadência dos valores de Atenas é o homem que não exerce o devido controle sobre seus desejos, o que não dá a justa medida à sua epythimia, o que vive predominantemente na esfera da paixão e desconhece outras dimensões da vida, como a vida sob o domínio da razão – este é o injusto que precisa ser educado na dialética socrática. Ora, Sócrates entende que a investigação sobre a justiça não pode se limitar ao indivíduo, mas sim estender-se a toda a cidade. É na cidade que a justiça será mais visível; somente depois é que se deve buscar a justiça no indivíduo, até para que se verifique a semelhança entre a justiça grande e a pequena. É então que Platão retoma a associação das technai ao propor construir a cidade ideal a partir das necessidades dos indivíduos, porque o que causa o nascimento de uma cidade é justamente a impossibilidade que cada indivíduo tem de se bastar a si mesmo e também a necessidade que sente de ter uma porção de coisas, isto é, bens sensíveis. Contra esse homem injusto, Platão se apresenta em polo oposto, propondo-lhe encontrar, pela dialética, o logos do ser, a verdade situada além dos falsos saberes e do prestígio aparente dos belos discursos sofísticos.
A pedagogia socrática, por meio de Platão, ressoa no livro III de A república, com a retomada das acusações contra os poetas – é preciso livrar as crianças das falsidades dos poetas; é necessário realçar o heroísmo, a figura de Aquiles e não a dos homens fracos e covardes que só sabem se lamentar; é urgente pôr fim às influências negativas dos mitos. Observe-se, desde já, que a divindade em Platão – fundamento para a legislação da colônia de Magnésio, como se poderá constatar em As leis – é completamente oposta à teogonia hesiódica e às sagas de Homero, nas quais o ethos dos deuses é tremendamente flexível e, por vezes, esgarçado pela amoralidade. Os argumentos platônicos conduzem a cidade para um modelo educacional que transporte o homem para além da experiência sensível, livrando-o das sombras e das aparências, e o faça chegar ao conhecimento da razão. Por isso é que Platão deseja eliminar, da educação dos jovens e das crianças, as fábulas dos poetas, que, segundo ele, só contêm falsidades sobre os deuses, descritos na poesia com todos os seus defeitos, e não perfeitos como o são as divindades. Discute-se, desse modo, o que deve ser dito na poesia (conteúdo) e como deve ser dito (forma). Propõe-se que sejam expurgadas das fábulas as asserções que reforcem a epythimia e a autopiedade, consideradas prejudiciais à educação. Diante das referências aos deuses e heróis encontradas em Homero, Sócrates diz que devem ser preservadas as divindades e as figuras heroicas das cenas de fraqueza e lamento; também rejeita o prazer psicológico daqueles que se põem como vítimas e têm sede de lágrimas. São estabelecidos os conteúdos para os mitos, bem como as ações que devem ser imitadas, isto é, a dos homens nobres, pois a imitação se transforma em hábito e natureza para o corpo, a voz e a mente – assim, só se deve imitar o que seja bom para o homem de bem; enaltece-se a educação baseada na música e na ginástica.
É no livro III de A república que Platão retoma a busca dialética pela melhor definição de justiça, a partir das outras virtudes cardeais: a temperança, a coragem e a sabedoria. Definidas essas virtudes, chegar-se-ia, por exclusão, à justiça. No exame do que se entende dessas virtudes, Platão, por meio de Sócrates, leva-nos ao seu modelo de educação baseado na música e na ginástica. Diz que a alma tem dois elementos, a coragem e a sabedoria, que precisam estar perfeitamente equilibrados, e que a coragem está ligada à ginástica, como a sabedoria se liga à música. É preciso haver harmonia entre música e ginástica, porque a música conduz o homem à sabedoria, e a ginástica, à coragem. É a música que permite o contato com a musa, capacitando o homem a servir-se do discurso para persuadir os demais, livrando-os dos grilhões das sensações e tornando-os amigos da razão (apenas o homem educado tem modelos dados pela razão): assim tornar-se-á sábio. Por outro lado, se o homem se entregasse somente à música, entregar-se-ia à moleza e à brandura excessivas, pelo que precisa da rusticidade propiciada pela ginástica: assim tornar-se-á corajoso. Aí já pode se perceber a presença do logos, o que faz o filósofo aparecer como o líder capaz de associar, harmonicamente, a ginástica à música. Tal é o plano geral da educação da cidade, que visa a produzir um homem eminentemente útil a si mesmo e à cidade, o governante idealizado, porque comedido, sensato, racional e com pleno domínio sobre as emoções.
 No livro IV de A república aprofunda-se a relação entre justiça e felicidade na cidade ideal. Ao oráculo de Delfos é encaminhada a questão religiosa. Outros aspectos da cidade são regulamentados. Agora, fundada a cidade, pode-se tentar novamente encontrar onde se acham precisamente a justiça e a injustiça. Indaga-se, com mais minúcias, sobre a justiça, a partir das virtudes cardeais – sabedoria (sophia), coragem (andreia), temperança (sophrosyne) e justiça (dikaiosyne). Essas virtudes só podem ser adquiridas pelo cidadão se este for educado adequadamente desde criança, e esse raciocínio se manifesta agora com mais clareza. Estabelece-se uma relação entre justiça e felicidade: na cidade bem construída, todos são felizes e não apenas alguns. É preciso haver unidade na polis, o que se consegue quando cada cidadão se ocupa de sua tarefa própria: quem é governante, deve ser apenas governante; quem é guerreiro, deve ser apenas guerreiro; quem é artesão, deve ser apenas artesão.
Da temperança, Platão diz que se trata do domínio sobre certos prazeres e paixões; o homem temperante é senhor de si mesmo, e isso significa que sua parte racional e superior supera sua epythimia; se não fosse assim, seria escravo de si mesmo, isto é, sua parte inferior e emocional tomaria conta dele. A natureza superior, moldada pela educação, deve prevalecer sobre o inferior e impor seus valores. Esta harmonia existente no indivíduo se estende para a cidade, onde também deve haver um acordo harmonioso pelo qual os governados, em maior número, se submetam aos governantes, do mesmo modo que os desejos numerosos se subordinam à razão.
Da sabedoria, Platão diz que se trata da posse de uma epistéme (conhecimento) pela qual se delibera sobre a melhor maneira de a cidade se comportar consigo mesma e perante as outras cidades. Tem por objeto a conservação do Estado e se encontra nos magistrados, que são os guardiões perfeitos; essa epistéme é a filosofia.
Da coragem, Platão afirma que se trata da capacidade (dynamis) e perseverança em conservar, em qualquer circunstância, especialmente nas vicissitudes, a opinião sobre as coisas a temer. Em outras palavras, trata-se daquilo que o legislador designou na educação, uma espécie de salvaguarda, os valores internalizados dos quais resultam uma opinião reta e legítima. Por conseguinte, todos devem dar de si o melhor para a cidade, segundo uma lei maior, que é exatamente a lei internalizada pela educação. Todos se predispõem a obedecer às suas consciências, voltados para o bem comum. É por isso que a cidade bem fundada gera o Estado perfeito, pois ela será sábia, corajosa, ponderada e justa. Assim, a coragem se caracteriza como logos, a vontade de fazer cumprir a lei maior, internalizada em cada homem pela educação.
Da justiça, portanto, após ter examinado as demais virtudes cardeais, Platão pode dizer agora que se trata do princípio de fundação da cidade, pelo qual cada um desempenha a sua função própria, sem interferir no trabalho dos outros. Encontra-se na cidade bem governada, isto é, dirigida pelo governante que possui a epistéme e a dynamis para gerar e preservar as outras virtudes. Justiça, por conseguinte, é o que resulta de dois princípios em confronto no indivíduo: o elemento racional e o elemento irracional, entre os quais um terceiro elemento, o irascível, se põe como auxiliar da razão. Isso se estende às classes da cidade, assim representadas: os governantes como o racional; os artesãos como o irracional; e os guerreiros como o irascível. É da primazia da racionalidade que surge a justiça tanto na alma do homem quanto na cidade bem fundada. Pode-se agora vislumbrar como a coragem – a força que salvaguarda a opinião reta e legítima sobre os valores da educação, internalizados pelo que o legislador previamente estabeleceu – se alia à sabedoria, a epistéme capaz de conservar o Estado. Sendo esta epistéme a filosofia, é necessário que o governante seja filósofo ou no mínimo o rei convertido à filosofia. É o logos – portanto, o rei filósofo – que determinará ao poeta que elabore mitos (fábulas) com função pedagógica, isto é, a poesia necessária ao processo de internalização e hierarquização de valores que levem o cidadão à opinião reta e legítima (coragem).
Ora, a cidade ideal de Platão nunca se tornou realidade, o que não invalida seu projeto. Não é tão simples impor à multidão da cidade a autoridade do filósofo, especialmente quando o discurso filosófico passa a enfrentar outras técnicas discursivas, como a retórica, a sofística e a erística. Os sofistas introduzem um discurso utilitarista, que não se preocupa em atingir o ser e se situa na neutralidade da linguagem – o logos deixa de estar ligado ao ser; agora diz tanto uma coisa quanto o seu oposto, não mais diz o ser e as coisas assim como são; são discursos de aparência e contrários à existência dos deuses e à moralidade nestes fundada; descreem da intervenção dos deuses na criação do mundo; refugiam-se no materialismo mais estrito e chegam a derivar a alma dos elementos materiais como o ar, o fogo, a água e a terra. Perde-se, assim, uma linguagem consubstancialmente ligada ao ser; o discurso admite a mentira como premissa do argumento; “o homem é a medida de todas as coisas”, diz Protágoras, e a lei vigente logo se torna a expressão da vontade da classe dominante; em consequência, é preciso agir contra os sofistas, fazendo a cidade reencontrar, para o bem da ordem política, o seu fundamento e a sua legitimidade numa ordem cósmica.
O ateniense de As leis, conhecedor desse projeto irrealizado da cidade ideal e do seu rei filósofo, em meio às influências dos sofistas e dos físicos sobre as opiniões da juventude, vai ao encontro de Clínias e Megilo para contribuir com a elaboração das leis da colônia de Magnésio.  Se em A república, a teoria das ideias e o Bem supremo têm lugar central, deles derivando todas as ações humanas por participação, em As leis se concede maior importância à experiência e ao problema da formação elementar da multidão, partindo-se dessas raízes terrenas para as esferas suprassensíveis, caminho inverso da dialética educacional da cidade ideal. A dialética do Bem, no Estado magnesiano, se dá na multiplicidade das suas manifestações. A ideia do Bem é exigida como conteúdo da cultura do governante. Retoma-se a fundamentação das leis numa ordem cósmica, isto é, na divindade, e se faz necessário, portanto, combater a impiedade com uma educação correta[3]. Afirma Jaeger, a respeito do grande espaço ocupado pelos problemas de educação em As leis, que “A finalidade da obra, no seu conjunto, era edificar um formidável sistema de educação. A sua atitude em face da Paideia aparece exposta com maior clareza de princípio numa passagem do livro X” (2003, p.1299). Ele se refere ao paralelo estabelecido por Platão entre o mau legislador e o médico de escravos, bem como ao paralelo entre o médico que se dedica a tratar cidadãos livres e o filósofo convertido em legislador. É bem conhecida essa passagem:

O ateniense: Deve, então, o preposto que nomeamos para essas leis deixar de fazer uma tal formulação inicial e declarar imediatamente o que tem que ser feito e o que não tem e indicar a punição na qual incorre a desobediência, e assim voltar-se para uma outra lei, sem acrescentar aos seus estatutos uma única palavra de encorajamento e persuasão? Tal como ocorre com os médicos, um nos trata de uma maneira, outro de outra: eles dispõem de dois métodos diferentes dos quais podemos nos lembrar, para que, como crianças que pedem ao médico para que as trate pelo método mais brando, possamos fazer um pedido semelhante ao legislador. E o que queremos dizer com isso/ Há homens que são médicos, segundo dizemos, e outros que são assistentes de médicos, mas chamamos estes últimos também de médicos, não é mesmo?
Clínias: Sem dúvida, nós o fazemos.
O ateniense: Esses, sejam eles livres ou escravos, adquirem sua arte sob a direção de seus mestres por meio da observação e da prática e não pelo estudo da natureza, que é o meio pelo qual os médicos livres eles mesmo aprendem a arte, sendo também este o meio pelo qual instruem seus próprios discípulos. Dirias que temos aqui duas classes do que é chamado de médicos?
Clínias: Certamente.
O ateniense: Estás também ciente de que como as pessoas enfermas nas cidades são constituídas tanto por escravos quanto por cidadãos livres, os escravos são geralmente tratados pelos escravos, em suas rondas pela cidade ou aguardado nos dispensários; e nenhum desses médicos dá ou recebe quaisquer explicações sobre as várias doenças dos diversos servos que tratam, limitando-se a prescrever para cada um deles o que julga certo com base na experiência, como se detivesse conhecimento exato, e com a autossuficiência de um monarca despótico; em seguida passa de um átimo muito rapidamente para um outro servo enfermo, poupando assim seu mestre do atendimento dos doentes. Mas o médico nascido livre se ocupa principalmente em visitar e tratar das enfermidades das pessoas livres e o faz investigando-as desde o começo e conforme o curso natural; conversa com o próprio paciente e com seus amigos, podendo assim tanto obter conhecimento a partir daquele que padece da doença [e seus amigos] como transmitir a estes as devidas impressões na medida do possível. Ademais, ele não prescreve nada ao paciente enquanto não conquistar o consentimento deste, para só quando consegui-lo então, mantendo a docilidade do paciente por meio da persuasão, realmente tentar completar a tarefa de devolver-lhe a saúde. (As leis, IV, 720a-e).
  
Esse processo educacional fundamentado na moralidade do cosmos divino está bem claro no livro X de As leis, em cujo prólogo Platão, por meio do ateniense, comenta sobre os ilícitos mais graves cometidos pela juventude, destacando os que atingem as coisas públicas e sagradas e atribuindo como causa de todas essas ofensas a impiedade que é propagada pelos sofistas e físicos. Sob esse ponto de vista, os males humanos vêm todos da descrença nos deuses e em sua moralidade cósmica, sendo os materialistas os verdadeiros responsáveis por isso, porque propagam discursos mentirosos e utilitários que tomam o homem como a medida de todas as coisas. O ateniense enuncia três tipos de impiedade: primeiro, a descrença nos deuses; segundo, a crença nos deuses, mas não que estes se importem com os seres humanos; e terceiro, a crença em que os deuses são fáceis de serem conquistados quando subornados por oferendas e orações. Para cada tipo de impiedade, resultam duas formas derivadas de impiedade.
Do primeiro tipo de impiedade, por exemplo, – a descrença nos deuses – há dois subtipos de impiedade: há o ultraje cometido pelos ímpios de caráter justo e que repudiam a injustiça; e há o ultraje dos ímpios que, além da descrença na existência dos deuses, fraquejam ante seus prazeres e sofrimentos, isto é, são dominados por sua epythimia, embora sejam dotados de memória e possuam inteligência aguda. “De maneira similar, a crença de que os deuses são omissos gera dois outros tipos de impiedade, e a crença de que sejam subornáveis, outras duas” (As leis, X, 908e). Todos os ímpios, inclusive os justos, serão aprisionados.
Ora, ao se referir ao aprisionamento que será aplicado a todos os casos de impiedade, Platão, por meio do ateniense, comenta sobre os três tipos de prisões no Estado, para as quais serão encaminhados os diversos tipos de ímpios, incluindo os justos:

uma prisão pública perto da ágora para a maioria dos casos, mantendo a segurança das pessoas em relação aos criminosos médios; uma segunda prisão situada próximo da sala de reuniões dos oficiais que realizam reuniões noturnas (chamada de reformatório); e uma terceira no centro do território, no sítio mais selvagem e ermo possível, e que detém um nome que evoca a ideia de um lugar de castigo; e visto que as pessoas se envolvem na impiedade pelas três causas que descrevemos, resultando de cada uma dessas causas duas formas de impiedade, consequentemente aqueles que transgridem contra a religião caem em seis categorias que precisam ser distinguidas, já que requerem penas que são tanto diferentes quanto dessemelhantes. (As leis, X, 908a).

            Ora, Platão pune os ímpios justos com advertência e prisão, sem considerar que, embora descreiam nos deuses, amam a justiça, odeiam instintivamente o mal e repudiam as ações injustas. Quer dizer, amam a justiça em si mesma, sem necessitarem dos fundamentos da moralidade dos deuses. Todavia, por isso mesmo, segundo Platão, amparam-se em discursos humanos dissociados do ser e da verdade – o logos, neste caso, dá lugar às exigências de uma moral apoiada sobre a lei positiva. Quanto aos ímpios injustos, dominados por sua epythimia, empenhados em transmitir sua perversão aos demais habitantes da cidade, a pena é o reformatório, onde são persuadidos por aqueles que participam da assembleia noturna, durante um período não inferior a cinco anos, em completo isolamento em relação aos demais, a salvarem suas almas; caso eles se recuperem, passarão a morar com aqueles que foram recuperados; em caso negativo, poderão ser sentenciados à morte. E quanto aos que afirmam serem os deuses negligentes ou subornáveis, a corte os aprisionará na prisão situada no meio do território, impedindo que deles se aproxime qualquer pessoa e que recebam suas rações de alimentos segundo o fixado pelos guardiões das leis. Como apenas o legislador não será culpado pelo deus, por já ter estabelecido a lei, verifica-se que se incide na definição de justiça como a expressão arbitrária da classe mais forte, não obstante a fundamentação metafísica da legislação. Trata-se aparentemente de uma antinomia a aplicação de uma lei baseada na moralidade do cosmos divino e pela qual se deseja evitar o voluntarismo dos mais fortes e dos injustos, pois tanto se pune o ímpio que ama a justiça – embora descreia dos deuses – quanto se mata o outro homem em nome dos deuses que, por serem perfeitos, não precisam absolutamente de ser defendidos pelo legislador.
            Tem-se pela frente um problema representado por essa antinomia. E agora, na terceira parte deste ensaio, tenta-se esboçar uma compreensão da necessidade do fundamento metafísico para a legislação humana, representado pela crença nos deuses e em sua moralidade.
            É bem provável que Platão esteja tentando retomar a ideia arcaica do divino como princípio de unidade-totalidade, como força motriz primordial, como espírito formador do mundo. No tempo das musas, todos se colocavam sob a autoridade dos deuses, e a linguagem servia para dizer o ser e as coisas – o logos estava plenamente na juntura com o ser, dizia o ser, refletia o cosmos, era moralidade no grau mais elevado. Quando os ímpios começaram a propagar um discurso de desvio e aviltamento do logos, pondo em xeque as virtudes norteadoras do bem agir, tornou-se necessário estabelecer como fiel da balança da justiça algo que transcendesse os limites do humano dissimulador e aviltado. Retomar a junção entre a natureza e a lei, ainda que fosse preciso punir eventualmente um justo ímpio ou mesmo matar em nome dos deuses perfeitos, tornou-se um imperativo na Grécia socrática, uma necessidade de desautorizar o preceito de Protágoras que tomava o homem como a medida de todas as coisas. Era preciso, por conseguinte, após as devidas correções das impropriedades cometidas pelos poetas quanto à natureza e ao comportamento das divindades, recuperar a ideia de Deus como medida de todas as coisas, o Deus que se revela e age no cosmos do Estado assim como costuma agir na natureza. Assim, a obediência à lei é, ao fim e ao cabo, obediência à divindade, que tem consigo o princípio, o meio e o fim de todas as coisas. Tudo deve se subordinar a esse Bem supremo e à sua harmonia, pois o homem dominado por sua epythimia encontra muitas dificuldades para apreciar a ordem política e suas leis por si mesmas. Esse é o ideal socrático assumido por Platão no esforço contrário aos sofistas, que iniciaram a oposição entre natureza e lei. Esta é uma tarefa à que se entrega visando a uma ordem política fundamentada e legitimada numa ordem cósmica, da qual ela é somente o reflexo analógico. Não há, portanto, ambiguidade na formulação das leis do Estado magnesiano quando são confrontadas e penalizadas todas as formas de impiedade, incluindo a do ímpio justo, pois este caso pode, no máximo, configurar um mal menor diante de um mal maior que seria o de prejudicar toda a ordem política da cidade. Tampouco se pode dizer propriamente que o legislador sai em defesa dos deuses perfeitos, que dele não necessitam para ser a harmonia e a perfeição do cosmos. Na verdade, o que se manifesta no legislador é sua compreensão da necessidade do logos divino, fruto de sua educação adequada para o governante; ele sabe, por possuir a intimidade com o logos, o que é necessário para que a cidade seja feliz e justa, por participação na ordem cósmica da natureza.
3. Conclusão
            Este breve ensaio tratou sucintamente do conceito de justiça e da elaboração de leis fundamentadas metafisicamente por Platão. Estabeleceu-se a leitura do livro X de As leis, bem como outras partes dessa obra, em contato com os quatro primeiros livros de A república, de modo a compreender-se a definição de justiça em conformidade com as outras virtudes cardeais – a sabedoria, a coragem e a temperança. E, com isso, entender o propósito pedagógico de As leis, delineado como um projeto de oposição aos discursos de aparência dos ímpios, que negavam a existência dos deuses e os consideravam negligentes ou subornáveis.
            Identificou-se uma possível ambiguidade na aplicação das leis aos diversos tipos de impiedade, pois se configurou uma aparente contradição tanto na punição do ímpio justo – aquele que, embora descrente dos deuses, ama a justiça e repudia os injustos – quanto no estabelecimento das penas severas da morte e da negação de sepultamento aos que consideravam as divindades negligentes ou subornáveis. Afinal, como pode haver justiça quando se pune o justo apenas por ser ímpio? E como pode se fundamentar a legislação humana na perfeição e na harmonia do cosmos divino, se a sua obediência exige a aplicação de sanções extremas como o exílio e a morte?
            Só se pode compreender isso dentro do projeto educacional estabelecido por Platão primeiramente em A república e, posteriormente, em As leis. Trata-se de estabelecer um sistema de educação que, contrariamente ao propagado pelos sofistas e físicos, contemple a intervenção dos deuses perfeitos e incorruptíveis na criação do mundo e nos assuntos humanos, trazendo ao homem a possibilidade de viver em consonância com sua razão e pleno domínio sobre os apetites corporais nele enraizados. A ordem política capaz de trazer felicidade à existência humana precisa fundamentar-se e legitimar-se numa ordem cósmica da natureza, o que torna um imperativo categórico o combate a todo tipo de impiedade. Somente assim podem ser transpostos os desejos desmedidos do homem, permitindo-lhe o domínio de si, sem que precise dominar os outros despoticamente. Essa é a via pela qual o logos divino pode descer até os recantos mais ínfimos da vida humana e se transformar em ordem política racional e justa.

Referências bibliográficas
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. Trad. Arthur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2003, 1413p.

PLATÃO. As leis. Trad. Edson Bini. 2.ed. Bauru: EDIPRO, 2010, 543p.
______. A república. Trad. Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, 419p.

ROGUE, Christopher. Compreender Platão. Trad. Jaime A. Clasen. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2005, 207p.





[1] Cf. Livro II, 653 a-c a fala do ateniense: “O que afirmo é o seguinte: que quando criança as primeiras sensações pueris a serem experimentadas são o prazer e a dor, e que é sob essa forma que a virtude e o vício surgem primeiramente na alma; mas no que diz respeito à sabedoria e às opiniões verdadeiras estabelecidas, um ser humano será feliz se estas o alcançarem mesmo na velhice, e aquele que é detentor dessas bênçãos, e de tudo que abarcam, é de fato um homem perfeito. Entendo assim por educação a primeira aquisição que a criança fez da virtude. Quando o prazer, o amor, a dor e o ódio nascem com justeza nas almas antes do despertar da razão, e uma vez a razão desperta, os sentimentos se harmonizam com ela no reconhecimento de que foram bem treinados pelas práticas adequadas correspondentes, e essa harmonização, vista como um todo, constitui a virtude; mas a parte dela que é corretamente treinada quanto aos prazeres e os sofrimentos, de modo a odiar o que deve ser odiado desde o início até o fim, e amar o que deve ser amado, esta é aquela que a razão isolará para denominá-la educação, o que é, a meu ver, denominá-la corretamente” (grifo nosso).
[2] Um inofensivo pastor da Lídia é capaz de tornar-se um monstro após encontrar um anel que o torna invisível e lhe assegura uma impunidade total.
[3] Reler a nota de rodapé nº 3 deste ensaio, a que trata sobre educação (Leis, II, 653a-c).