é do nosso direito perguntar tanto sobre a vida? de onde veio? para onde vai? por que assim e não assado?
A vida, em certo ponto do
tempo, me deixou com a impressão de que tudo começa e acaba diariamente. Um
instante é a claridade, outro, o espasmo do escuro. Não obstante, eu resisto e sobrevivo
em meu espelho, entre traços de memória e simples rugas que desencobrem a finitude.
Rodopio no redemoinho dos relógios, sem discernimento dos começos e fins, conhecendo apenas a hora dos relógios, mas nunca o sem tempo, outro nome do eterno. Estou
no mundo, sozinho nas multidões, tateando no meio dos ruídos, sabendo que no acerto
das contas o resultado final é o silêncio irreversível.
Fujo,
todos os dias eu fujo; escapo das ruas, escapo dos ruídos, escapo da poeira; me
transformo em vento e planta, me disfarço de rocha, me esculpo em argila, numa
evasão em que vou ao encontro das chuvas cálidas que dissipam tristezas, águas
mornas que desde sempre deram fim a todas as minhas sedes. Sempre que chove
calidamente, uma semente se retesa para aflorar na terra, ou uma mulher se
prepara para amar e acolher em si o corpo de alguém. Até acho que a vida, fora do poema escrito, é mais poesia do
que se pode supor. Mas é vida efêmera, perdida na mortalidade e no transitório.
Nela, quando falta o encantamento, a aniquilação se excede. Deve haver, pois,
algum antídoto na palavra, que serve para atenuar nossa incapacidade de alterar
as coisas. Em certo sentido, escreve-se e se lê para encarar a morte, não com
punhais e metralhadoras, nem com lágrimas e rezas, nem com apatia e desolação, mas
com palavras resistentes que jamais sejam ecos de qualquer medo. Ou seja, uma
linguagem da bravura, da guerrilha e das barricadas; de um lado o homem, do
outro uma metafísica incompreensível.
Por que o homem vive tão diferente dos bichos e das plantas? Ou mesmo das rochas que se deixam amar pelos ventos? Por que durar indefinidamente, ser mais que as plantas
ou os bichos, ou que as rochas e os ventos em sua dança de saltimbanco? Por que querer ser mais do que o nada que se é? Tenho tantas questões, pergunto tanto e não sei responder. Então, quando nada mais é possível de fazer, me refugio nas superfícies e nos subterrâneos da vida, tal qual ela é: às vezes tão clareada, outras vezes tão sombria, mas ainda assim vida.
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