terça-feira, 4 de novembro de 2014

Superfícies e subterrâneos


é do nosso direito perguntar tanto sobre a vida? de onde veio? para onde vai? por que assim e não assado?

A vida, em certo ponto do tempo, me deixou com a impressão de que tudo começa e acaba diariamente. Um instante é a claridade, outro, o espasmo do escuro. Não obstante, eu resisto e sobrevivo em meu espelho, entre traços de memória e simples rugas que desencobrem a finitude. Rodopio no redemoinho dos relógios, sem discernimento dos começos e fins, conhecendo apenas a hora dos relógios, mas nunca o sem tempo, outro nome do eterno. Estou no mundo, sozinho nas multidões, tateando no meio dos ruídos, sabendo que no acerto das contas o resultado final é o silêncio irreversível.
Fujo, todos os dias eu fujo; escapo das ruas, escapo dos ruídos, escapo da poeira; me transformo em vento e planta, me disfarço de rocha, me esculpo em argila, numa evasão em que vou ao encontro das chuvas cálidas que dissipam tristezas, águas mornas que desde sempre deram fim a todas as minhas sedes. Sempre que chove calidamente, uma semente se retesa para aflorar na terra, ou uma mulher se prepara para amar e acolher em si o corpo de alguém.                   Até acho que a vida, fora do poema escrito, é mais poesia do que se pode supor. Mas é vida efêmera, perdida na mortalidade e no transitório. Nela, quando falta o encantamento, a aniquilação se excede. Deve haver, pois, algum antídoto na palavra, que serve para atenuar nossa incapacidade de alterar as coisas. Em certo sentido, escreve-se e se lê para encarar a morte, não com punhais e metralhadoras, nem com lágrimas e rezas, nem com apatia e desolação, mas com palavras resistentes que jamais sejam ecos de qualquer medo. Ou seja, uma linguagem da bravura, da guerrilha e das barricadas; de um lado o homem, do outro uma metafísica incompreensível.  
        Por que o homem vive tão diferente dos bichos e das plantas? Ou mesmo das rochas que se deixam amar pelos ventos? Por que durar indefinidamente, ser mais que as plantas ou os bichos, ou que as rochas e os ventos em sua dança de saltimbanco? Por que querer ser mais do que o nada que se é? 
        Tenho tantas questões, pergunto tanto e não sei responder. Então, quando nada mais é possível de fazer, me refugio nas superfícies e nos subterrâneos da vida, tal qual ela é: às vezes tão clareada, outras vezes tão sombria, mas ainda assim vida. 

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