domingo, 25 de dezembro de 2022

Por que escrever Tomé Mayruna?

 




    Fiz do meu particular universo mítico um poético e abstrato refúgio chamado Literatura. Nessa espécie de lugar sagrado, convergem para um ponto impreciso de mim sonhos e memórias, que somente subsistem graças à arte das palavras - uns poucos substantivos, alguns sóbrios adjetivos e dois verbos prediletos, desejar e lembrar, que eu conjugo como quem decifra a metáfora do tempo e a substância da vida: nunca estou em lugar algum, vivo no fluxo apressado dos acontecimentos.

        Dependo de reminiscências ou da imaginação para viver. Em outras palavras, só enxergo manhãs clareadas quando já vi e memorizei o sol. Escrevo textos aturdidos e urgentes, imitações do canto das cigarras de minha rua, que cantam com frenesi porque pressentem a perturbadora transitoriedade das coisas - cantam para a vida e secam para a morte. Todos somos simulacros de cigarras, chegamos e vamos embora na vertigem do tempo, aparecemos com o sol e sumimos na escuridão, brotamos na saudade alheia e murchamos no esquecimento do mundo. Existir e perecer formam a mesma metáfora das horas perdidas e dos milagres ansiados.

        Algumas vezes, risco traços alegres ou não às variadas lembranças de minha existência e construo memórias fingidas dentro de memórias verídicas - mergulho, por assim dizer, em um labirinto de reminiscências superpostas. Esse é um privilégio dos poetas e dos loucos, dispor do atributo de lembrar o fato que existiu e o fato ainda por inventar - afinal, toda literatura tem um resíduo indelével da loucura criativa e da fecunda fragilidade humana. Escrever Tomé Mayruna resulta desse incompreensível fato: se não o escrevo, me transformo em cigarra com morte anunciada.  Trata-se de uma tentativa de testemunho romanceado de muitos dramas individuais e coletivos que presenciei e/ou vivi na Amazônia brasileira. Perdoem-me por meus exageros, por algumas inverossimilhanças e pela tendência de enxergar o sobrenatural onde só há coisas simplesmente humanas.

                                                                       Humberto B. Leal


        

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