Fiz do meu particular universo mítico um poético e abstrato refúgio chamado Literatura. Nessa espécie de lugar sagrado, convergem para um ponto impreciso de mim sonhos e memórias, que somente subsistem graças à arte das palavras - uns poucos substantivos, alguns sóbrios adjetivos e dois verbos prediletos, desejar e lembrar, que eu conjugo como quem decifra a metáfora do tempo e a substância da vida: nunca estou em lugar algum, vivo no fluxo apressado dos acontecimentos.
Dependo de reminiscências ou da
imaginação para viver. Em outras palavras, só enxergo manhãs clareadas quando
já vi e memorizei o sol. Escrevo textos aturdidos e urgentes, imitações do
canto das cigarras de minha rua, que cantam com frenesi porque pressentem a
perturbadora transitoriedade das coisas -
cantam para a vida e secam para a morte. Todos somos simulacros de cigarras,
chegamos e vamos embora na vertigem do tempo, aparecemos com o sol e sumimos na
escuridão, brotamos na saudade alheia e murchamos no esquecimento do mundo.
Existir e perecer formam a mesma metáfora das horas perdidas e dos milagres ansiados.
Algumas vezes, risco traços alegres ou
não às variadas lembranças de minha existência e construo memórias fingidas
dentro de memórias verídicas -
mergulho, por assim dizer, em um labirinto de reminiscências superpostas. Esse
é um privilégio dos poetas e dos loucos, dispor do atributo de lembrar o fato
que existiu e o fato ainda por inventar -
afinal, toda literatura tem um resíduo indelével da loucura criativa e da
fecunda fragilidade humana. Escrever Tomé
Mayruna resulta desse incompreensível fato: se não o escrevo, me transformo
em cigarra com morte anunciada. Trata-se
de uma tentativa de testemunho romanceado de muitos dramas individuais e
coletivos que presenciei e/ou vivi na Amazônia brasileira. Perdoem-me por meus
exageros, por algumas inverossimilhanças e pela tendência de enxergar o
sobrenatural onde só há coisas simplesmente humanas.
Humberto B. Leal