terça-feira, 1 de agosto de 2017

O menino pintor

     No último final de semana, uma postagem no Facebook me impressionou bastante. A foto de um menino de quatro anos em meio a pincéis, tintas, rabiscados, traços coloridos, a vida emergindo para a superfície do mundo na linguagem das cores. Senti nele o talento do artista. Ainda uma criança tenra, uma criatura inocente, mas sendo, a olhos vistos, o lugar e o instante em que a vida se põe como obra de arte. Fiquei deveras comovido. Admirado.
     Esse menino vai crescer, eu pensei. E seguramente vai aprender técnicas de pintura e muitas outras manifestações da arte. Vai ler muitos livros. Vai assistir a muitos filmes. Visitará muitas exposições nos museus e centros culturais. Herdará em si mesmo, como acréscimo ao seu talento pessoal, uma tradição dos que vieram antes dele. Isso será muito bom. Mas também poderá ser soterrado por infinidade de teorias artísticas, crenças e convicções de toda natureza, doutrinações ideológicas, preconceitos e conceitos, experiências áridas que nos deixam atados sob os escombros da existência. Isso será ruim.
     Tomara que, se isso de ruim também vier a acontecer mesmo, não se perca nele essa inocência que ficou registrada na postagem do Facebook. Sim, é verdade que, em sentido nietzschiano, nosso espírito tem um momento de ser camelo e carregar a vida como se esta fosse um fardo irremediável; que também agimos como um leão quando precisamos destruir as estruturas de valores adoentadas e petrificadas; mas, sobretudo, junto a tudo isso, nunca podemos deixar que se dissipe a criança inocente que há em cada um de nós. É somente essa candura que nos permite criar o novo.
    Nem sei se vou viver o suficiente para comprovar minhas previsões sobre o menino pintor. Mas ele incutiu em mim uma profunda esperança na arte. Que sejamos, por meio da cultura, capazes de reverter nossos dramas mais doidos em simples vida que surge diariamente com o despontar do sol.
Que esse menino pintor seja a via por onde a arte chega para nos dar a imensa graça da beleza.

5 comentários:

  1. Aqui, onde vivemos, há vários meninos pintores. Estamos tentando cuidar para que eles possam fazer suas próprias escolhas, que possam se descobrir a cada dia. Que o mundo sim os influencie, mas que as escolhas seja deles. É uma luta, viu! Rs. Beijos!

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    1. Que assim seja, querida Fabrícia. Mas se lembre que, apesar de nossas escolhas, a arte só pode ser livre quando se alça por sobre os panfletos ideológicos. Beijos!

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  2. Mesmo não sendo "o menino pintor" que as pessoas possam fazer da vida a sua tela, das possibilidades suas cores, e se faltar pincéis que não usemos desculpas, mas sim os dedos, as mãos e tudo o mais que for possível para colorir, pintar, criar, inspirar e transformar!

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    1. Viver como se a vida fosse a mais autêntica obra de arte. Construção diária. Você bem sabe disso, como cientista e artista dos mistérios da psique.

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