O
boto feiticeiro
Haveria festa na vila ribeirinha
naquele final de semana. Os homens do lugar cuidavam de todos os preparativos,
incluindo a defesa contra os intrusos encantados dos rios, aqueles que
costumavam aparecer na força do vento e da correnteza – os perigosos botos, os
que carregavam as moças solteiras para o fundo das águas e as devolviam ao
mundo com um filho na barriga. De todos os botos que engravidavam as mocinhas sonhadoras
daquelas paragens ermas, o que mais despertava apreensão era o boto feiticeiro,
aquele que pouco se mostrava no visível da vida, aquele que ainda assim existia
enquanto predador de corações femininos.
Os homens da vila já haviam encarado
muitos botos intrusos, transformados em belos rapazes que apareciam nas festas
e conquistavam as mulheres mais bonitas do lugar. Desconfiavam daqueles que
chegavam bem vestidos, extraídos da escuridão e das águas por alguma força
sobrenatural dos rios e das florestas, sobretudo dos que chegavam de terno
branco de linho, chapéu na cabeça, cigarro entre os dedos, e dos que dançavam
como se fossem bailarinos sedutores, libertinos, vorazes com suas narinas
fixadas em cheiro de mulher. Muitos deles vieram e deixaram seus filhos
bastardos. Outros foram perseguidos pelas tropas de defesa da vila, que os
perseguiam pelas trilhas da mata até a beira dos rios e lagos, pegando-os a
tiro de carabina ou a porrete. E os que eram apanhados no meio da fuga ficavam
gemendo no chão, até que, ao amanhecer, tomavam a forma de botos. E, então,
como se fossem dejetos de guerra, eram retalhados e divididos entre os
habitantes, para que todos experimentassem a sua carne tenra e adquirissem suas
propriedades afrodisíacas, sua força devastadora de vida. E também lhes
arrancavam os dentes com o intuito de fabricar talismãs. Afinal de contas, qual
daqueles ribeirinhos não queria usar no pescoço um amuleto feito com um dente
de boto para ser também irresistível diante de uma mulher?
Mas havia um boto de quem muito se
falava, que era muito temido, sem que jamais houvesse sido visto, um encantado
que, no entanto, aparecia e desaparecia subitamente das festas. Imune às
carabinas e aos porretes. Invisível talvez, oculto em seu mistério. Talvez
fosse o que mais tivesse deixado para trás não propriamente filhos bastardos, e
sim mulheres encandeadas pelo brilho do seu olhar e sortilégio das suas
palavras. Desconfiava-se de que fosse outro tipo de encantado, não um boto que
se transformasse em rapaz sedutor, mas um homem que se encantasse em boto e
que, embora vivesse entre os humanos, sempre se evadia para sua forma
substancial, durante as chuvas e as ventanias: o cetáceo sobrenatural dos rios
amazônicos. Era o boto feiticeiro. A sua encantaria se dava de forma inversa:
estava permanentemente no mundo, de onde, ante a iminência dos perigos,
escapava para as funduras das águas, onde recuperava suas profundezas
espirituais. O Céu, para ele, era o fundo do rio e do lago.
Que tipo de feitiço esse homem boto maneja
com tanta potência?
Nenhum homem sabe dizer. Seus
inimigos se reúnem em assembleias, preparam suas carabinas e seus terçados,
saem à sua caça, em qualquer parte do mundo, no profundo dos rios e das
florestas, no interior das vilas ribeirinhas, e nunca o encontram. É que o boto
feiticeiro, além do fundo das águas, tem um esconderijo inacessível para seus
adversários. Ele se esconde sempre no coração de uma mulher apaixonada, a
fortaleza mais inexpugnável que pode haver no mundo. Sua arma? O silêncio
suave, em primeiro lugar, com o qual vai se esgueirando por dentro da alma
feminina, adivinhando-lhe os desamparos e sustentando-a com a solidez do amor
que jamais abandona. Depois, como tão poucos homens sabem fazer, o boto
feiticeiro despeja suas palavras em forma de partituras: o seu falar é poesia
autêntica. E é essa força poética masculina que se acopla no espírito da
mulher. E tudo que é múltiplo e composto adquire uma unicidade que só pode
existir e perdurar nas coisas humanas e inefáveis a um só tempo. O boto
feiticeiro é um poeta.