A
moça da Globo News
Poucas vezes gostei dos tumultos de
final de ano. Antigamente as festas dessa época tinham algo de um sagrado que
se despregou dos nossos pensamentos, hábitos, sentimentos. A cultura absorveu
as ideias de céus divinos e as transformou em frivolidade e volúpia consumista.
E em pressa, muita pressa. Perdeu-se o silêncio, a contemplação. A
interioridade humana se tornou uma rua agitada por multidões. Que vão para cá e
para lá sem muita noção de rumo. Assim são as coisas. E o último dia de 2014
não foi diferente.
Desta vez, no entanto, o inusitado veio
da multidão para dentro do meu silêncio. Por acaso sintonizei na Globo News
naquela noite de muitos fogos de artifícios e estrelas piscantes. Como sempre,
a agitação, o frenesi, os palcos iluminados, as aglomerações humanas movidas
não apenas por alegria (mas também por álcool, drogas e o que for necessário).
De repente, um rosto que eu não via há tempos. Cada vez que ela aparece na TV,
eu digo que chegou a moça da Globo News, com sua inigualável força de
expressão. Trata-se de Heloísa Fiúza Gomyde, minha amiga no Facebook.
Prestei atenção na TV. Senti a força
daquela mundanidade meio louca. Toda agitação me deixa hoje atordoado, foi-se o
tempo em que eu virava o ano em Copacabana, sentindo o gosto de mar da mãe
Iemanjá. Tudo ficou excessivo demais. A muvuca passou dos limites. Gente
demais, contada agora aos milhões. Multidão incontrolável. Ruas mijadas e
fedidas. Desamparo dos drogados, dos bêbados, dos solitários, todos querendo
extrair da balbúrdia algum sentido para a vida.
Volto a dizer. Desta vez, no entanto, aquelas
forças descontroladas passavam pelo filtro da moça da Globo News. Talvez fosse
o seu sorriso muito peculiar e a sua precisão para dizer as coisas. Talvez
fosse apenas a sua beleza, o seu jeito de enxergar longe, a sua capacidade para
exercer o ofício da televisão, a sua leveza de espírito. Talvez o filtro de
Heloísa desse o formato apolíneo ao dionisíaco. Eu não sei explicar. Mas o que
eu quero dizer é que aquela noite chegou a mim com a intensidade poética de um
instante quase sobrenatural, em que se abrem todas as perspectivas para o Ano
Novo. Os horizontes descortinados em esperança. Ainda que esse instante de
extremo fulgor, porque assim é a vida, se faça acompanhar da obscuridade das
incógnitas. Bem sabemos que, no próximo dezembro, alguns de nós não estaremos
mais aqui. Nunca mais fogos de artifício, nunca mais estrelas piscantes nos
céus da cidade, nunca mais o riso de Heloísa Gomyde.
No dia seguinte, a moça da Globo News,
ainda em Copacabana, noticiava um assalto de turista em hotel do bairro. Oh,
não, tudo de novo. Mal começou o ano, outra vez as catástrofes de sempre. O
mesmo horror diário da cidade anarquizada e violenta. Muito violenta. Mas outra
vez o filtro da Heloísa se pôs em funcionamento. E, embora isso não fosse
suficiente para reverter os fatos, ela os tornava suportáveis. Eu não sei
explicar isso. Como explicar os mistérios? Vai ver, a alma da Heloísa tem luz
de amanhecer, tem a força das tempestades, tem a vastidão dos céus, tudo junto,
tudo misturado, tudo resultando numa pessoa que carrega consigo substâncias
poéticas naturalmente indefiníveis.
E, por fim, na sexta-feira à noite, no
programa Em Pauta, ela apareceu
novamente para falar das pessoas que queriam ser felizes tomando banho de mar à
noite. Seu vestido vermelho, sob a luz do cinegrafista, trouxe-a integralmente
como mulher para a telinha da TV. Bonita reportagem. Toda a poesia da vida
concentrada numa pessoa e nas coisas que ela dizia. Tomara que seja sempre
assim, daqui em diante, e que esta brilhante profissional do jornalismo – a
moça da Globo News, Heloísa Gomyde – venha a nos lembrar sempre, com sua
insistência poética, que a vida vale mesmo a pena. Até quando ela se faz de
absurdos e calamidades.