sábado, 20 de fevereiro de 2016

Maldades sem jeito


     A turista argentina estava dentro do seu sonho de conhecer o Rio. Como poderia saber da interdição não explícita da madrugada na cidade? Por que alguém não pode tomar seu chope e sentir o gosto do mar às duas e trinta da manhã? Afinal de contas, estamos vivendo sob a pressão de alguma guerra civil? Transladou-se a Síria dos últimos tempos para cá?
     Eis que o sonho da moça, de repente, foi atravessado pelos demônios. Dois rapazes se acercam dela e das amigas para o assalto. Querem levar dinheiro e celular. As moças se assustam e saem correndo da praia na direção da calçada. Uma delas é alcançada. Sem mais nem menos, uma faca lhe é metida por entre as costelas. Vai até o seu fundo, e a vida começa a escapar em cada jorro de sangue. Levam-na ao hospital. Ela não resiste. Morre.
     ...
    Vejo a foto dos dois meliantes no jornal. Rapazes que não conseguem justificar a própria existência. Na visão de alguns, vítimas da sociedade, da omissão do Estado que não lhes dá a chance de se recuperarem. Ressentidos e homicidas? Seriam diferentes se dentro de casa houvessem vivido no pleno de uma família? Ou são mesmo apenas gente maligna? Têm jeito ainda?
     ...
     O professor peruano, tanto tempo vivendo no Brasil, sai à tarde da segunda-feira, como de costume, para passear com sua cachorrinha. Sim, eu também já passeei muito na Quinta da Boa Vista. Hoje passo longe. Interditada. Mas ele se arriscou e pagou o preço: também morreu no estilo bem carioca de assassinar, isto é, a facadas. Quem mata assim? Outro ressentido homicida?
     Quem vai trazer de volta o meigo professor peruano?
     E a dor dos que o perderam? Como fica?
     ....
     Durante longo tempo, enquanto eu era perpassado por uma ingenuidade sem par, acreditei no mal como privação do bem. Não havia espaço, em minha mente tola, para o Mal ontologicamente constituído. Não havia um anjo decaído em cavalgada pelo planeta. Tampouco um deus enganador e nocivo. Hoje eu não suporto que me falem que as perfeições divinas concentradas na criação do homem são extintas pelo livre-arbítrio humano. Não há Bem e não há Mal fora daqui. Há pessoas boas e pessoas más. Há pessoas boas que, de vez em quando, deliberadamente ou não, desfrutam o sabor do malfeito. Há pessoas más que, uma vez ou outra, mas raramente, são capazes de um gesto de bondade. Isto é o humano. Há os que caem e se levantam. Há os que machucam e se arrependem. Há os que merecem uma segunda oportunidade. E há as aberrações que não justificam sua presença no mundo. Só nos trazem o horror.
    Talvez seja este o caso dos rapazes que aniquilaram a turista argentina e o professor peruano, na semana passada, na decadente cidade do Rio de Janeiro. Espécimes do mal radical. Maldades sem jeito.
   

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