segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A moça da montanha foi à praia de Ipanema

   A moça despertou no meio da manhã e abriu a janela. Tudo nevoento. Quase nada para se enxergar entre as brumas. A meteorologia disse que os dias seriam assim durante a semana toda. Então ela tomou café e se sentou na sala perto das suas avencas. Por amar o sol de verão, ela decidiu se aventurar. Sair no escuro do dia na montanha e encontrar o claro do dia no mar.
   Tomou coragem. Vestiu o biquíni estampado, uma camiseta branca, o short jeans e foi para a rua. O vento úmido, mas não propriamente gelado, apesar da frente fria. O verão na serra tem sua calidez própria. Ainda assim, friorenta, protegeu-se com um suéter de meia-estação. E levou na bolsa de crochê tudo o que precisava para a praia. Teve a ousadia de atravessar o nevoeiro. Desceu a ladeira íngreme da rua de paralelepípedos. Esperou o ônibus.
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   A moça da montanha desceu a serra. O ônibus demorou a chegar.  Mas não há percurso, ou congestionamento de trânsito, ou qualquer coisa assim parecida, que dure tanto. Ela bem sabia disso. Por isso a vontade férrea de ir para tão longe. É que precisava divisar o sol por cima da silhueta da cidade.
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   Tchibum! A moça da montanha mergulhou no mar de Ipanema. Fazia um sol de aquecer apenas de leve. E ali a moça permaneceu durante um tempo que não se marca em relógio. O tempo das epifanias. Não se fala aqui do aparecimento das divindades no mundo, mas sim das epifanias em que a gente vai até o lá de cima do sagrado. Diz-se que se trata da plenitude de espírito. Um troço que pode durar somente um segundo e, não obstante, tem o gosto duradouro de mar e sorvete. Um mistério. Quem há de falar logicamente dos mistérios?
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   A moça da montanha foi à praia de Ipanema. Mas, depois de sua epifania, lembrou-se de outro tipo de sol que estava no meio da névoa. Alguém. Outra vez pegou tudo que era seu e foi esperar o ônibus. Que demorou a subir a montanha. Novamente a moça da montanha mergulhou nas brumas. Algo, no entanto, havia se iluminado. Outra epifania. Uma epifania invertida. O sol clareava dentro do escuro da névoa. A melancolia tinha ido embora. Outro tipo de sol. Alguém.
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   O alguém do coração da moça da montanha que foi à praia de Ipanema. Sua epifania demasiado humana.