segunda-feira, 1 de junho de 2015

O sol das Agulhas Negras


Dia friorento. A cidade dentro da neblina. Desde ontem à tarde. Que tarde chuvosa, que domingo sem sol. Choveu demasiadamente à noite. Pelo menos em minha rua. Os gatos se recolheram. Idem os cachorros. Não houve latidos durante a madrugada. Nem presumi haver escutado o caminhar dos felinos por sobre o telhado. Fez bastante silêncio.
E apesar dos carros que, desde bem cedo, costumam formar fileiras na rua em dias de chuva, apesar deles e de tantas outras coisas, ainda continuou a fazer silêncio na manhã. Isso não me deixa triste. Talvez introspectivo, sim; triste, não; a melancolia é somente um instante prolongado de sombra em meio aos outros instantes de esplendor na vida. Como negar que também gosto de Petrópolis em seu modo de ser típico de cidade na montanha? Chuvas contínuas, zunidos de vento, neblinas espessas, paralelepípedos úmidos. Lá dentro há um sol, sempre há um sol, que às vezes desponta e nos dá dias claros, reluzentes. Este mesmo sol, outras vezes, permanece escondido e só reaparece quando a memória desembaça seus olhos.
É o sol de que me lembro agora. Não o sol que ainda vai despontar em Petrópolis talvez amanhã. Mas o sol de outrora, de quando eu era pouco mais que um menino vindo de longe. Era sábado. Havia chovido a semana inteira em Resende. Mas o sol reaparecera no sábado. Eu estava no meio de um pátio, entre os meus colegas, todos esperando o café da manhã. Cercados por um prédio imponente e sua imensa história. De repente, fomos surpreendidos pelo horizonte. Olhamos todos ao longe. O clarão imenso sobre o pico das Agulhas Negras. Jamais vou esquecer aquelas montanhas. Nem os sonhos brotados dentro de mim naquela hora. Eu era apenas pouco mais que um menino vindo de longe, acostumado com planícies, florestas, rios imensos. Eu não conhecia as montanhas e seus contornos enigmáticos. Depois é que fui me tornar íntimo delas. Da Serra do Lenheiro em São João del Rey e da Cordilheira dos Andes no Chile. Vim então envelhecer na Serra do Mar nesta cidade onde há uma catedral gótica, de cujos sinos se expande o sagrado.
Faz frio hoje, densa é a neblina, mas aquele sol das Agulhas Negras me joga no mundo e me desafia a decifrar os enigmas. Pode ser que, depois da morte, não haja nem claridade nem treva, nem lugar algum; pode ser assim e pode ser o contrário. Que importa isso? Durar ou dissipar. Isso é o de menos. O sol das Agulhas Negras é para sempre enquanto for lembrado. Quem há de morrer no vigor da memória resistente?

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