segunda-feira, 15 de junho de 2015

A insistência em compreender (ou desistência)

O passar da vida nos dá a impressão de que, por algum mecanismo não muito claro ainda, todas as coisas vão e retornam sempre; em outras palavras, vê-se o mesmo filme da existência, mesmo que num remake pasteurizado.
É o que tenho constatado nesses dias de outono, ao caminhar tarde da noite pela rua Piabanha, nesta Petrópolis que ora reluz com suas manhãs claras de sol, ora se esconde na vastidão da neblina: a vida de ontem volta permanentemente como vida de hoje. Nem falo das auroras e dos poentes, que sempre estiveram e vão estar lá no horizonte; eu falo da repetição das coisas enquanto a gente corre e se perde em tentativas vãs de tocar esses horizontes que se alargam cada vez mais para tão longe.
Noutra época, depois que a Europa silenciou seus canhões e tratou de cuidar de suas feridas e ruínas, fui menino latino-americano na Guerra Fria; era impossível para a criança compreender aquelas manchetes de jornal dando por certo o holocausto nuclear, pois toda a seriedade infantil se concentrava exclusivamente na magia dos brinquedos e em jogar bola nos terrenos baldios.
E quando me tornei adolescente latino-americano na Guerra Fria, também era impossível compreender as cisões internas do país, a disputa pela primazia da visão de mundo mais correta, a liberdade usada como peça de retórica do totalitarismo multifacetado, o risco da aniquilação nuclear substituído pelos conflitos de baixa intensidade (guerrilhas e contraguerrilhas), as ideologias a levantar muros entre os vizinhos de porta, todas aquelas batalhas que hoje parecem ter sido em vão, sem sentido.
E, mais tarde, adulto latino-americano no pós-Guerra Fria, continuou a ser impossível compreender   o condicionamento da vida pela economia globalizante, que passou até mesmo a criar todas as necessidades humanas, inclusive as que são desnecessárias; vive-se como escravo sob a força motriz do capitalismo - o consumo. Não bastasse isso, quem pode viver com lucidez sob o flagelo do terrorismo e da violência que detona as cidades no mundo inteiro? A guerra agora é o cotidiano trivial, tão perto e tão dentro da gente, neste em vão que se repete indefinidamente,
A vida civilizada é um horizonte muito longínquo. Como homem globalizado, tento compreender os sintomas da contemporaneidade doente, o desespero humano, os artifícios de se viver drogado para suportar a vida destituída da inocência, a vida dos remédios tarja preta, a vida das drogas marginais, a vida de promiscuidade e aberrações, a vida finita de tédio e medo.
Levaria horas tentando compreender o humano, mas hoje novamente a neblina chegou mais cedo na cidade friorenta; preguiça de pensar, fecho então a janela, não deixo o mundo se apossar de mim. O pensamento fica lá fora. Outro dia, então, deixo para outro dia a insistência em compreender...

2 comentários:

  1. Mas Humberto, tantas são as possibilidades de questionar tudo isso que não compreendemos e que não devemos aceitar passivamente.

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  2. É que, às vezes, Alcina, me faltam forças; então preciso fechar as janelas, deixar de ser o lugar do pensamento e da tentativa de compreensão; concordo com você: nada de aceitar passivamente; pelo menos tentar compreender, sim. Aliás, o que é nossa filosofia, não é mesmo?, senão a tentativa de compreender a realidade!

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