segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A moça da Globo News

A moça da Globo News

         Poucas vezes gostei dos tumultos de final de ano. Antigamente as festas dessa época tinham algo de um sagrado que se despregou dos nossos pensamentos, hábitos, sentimentos. A cultura absorveu as ideias de céus divinos e as transformou em frivolidade e volúpia consumista. E em pressa, muita pressa. Perdeu-se o silêncio, a contemplação. A interioridade humana se tornou uma rua agitada por multidões. Que vão para cá e para lá sem muita noção de rumo. Assim são as coisas. E o último dia de 2014 não foi diferente.
         Desta vez, no entanto, o inusitado veio da multidão para dentro do meu silêncio. Por acaso sintonizei na Globo News naquela noite de muitos fogos de artifícios e estrelas piscantes. Como sempre, a agitação, o frenesi, os palcos iluminados, as aglomerações humanas movidas não apenas por alegria (mas também por álcool, drogas e o que for necessário). De repente, um rosto que eu não via há tempos. Cada vez que ela aparece na TV, eu digo que chegou a moça da Globo News, com sua inigualável força de expressão. Trata-se de Heloísa Fiúza Gomyde, minha amiga no Facebook.
         Prestei atenção na TV. Senti a força daquela mundanidade meio louca. Toda agitação me deixa hoje atordoado, foi-se o tempo em que eu virava o ano em Copacabana, sentindo o gosto de mar da mãe Iemanjá. Tudo ficou excessivo demais. A muvuca passou dos limites. Gente demais, contada agora aos milhões. Multidão incontrolável. Ruas mijadas e fedidas. Desamparo dos drogados, dos bêbados, dos solitários, todos querendo extrair da balbúrdia algum sentido para a vida. 
         Volto a dizer. Desta vez, no entanto, aquelas forças descontroladas passavam pelo filtro da moça da Globo News. Talvez fosse o seu sorriso muito peculiar e a sua precisão para dizer as coisas. Talvez fosse apenas a sua beleza, o seu jeito de enxergar longe, a sua capacidade para exercer o ofício da televisão, a sua leveza de espírito. Talvez o filtro de Heloísa desse o formato apolíneo ao dionisíaco. Eu não sei explicar. Mas o que eu quero dizer é que aquela noite chegou a mim com a intensidade poética de um instante quase sobrenatural, em que se abrem todas as perspectivas para o Ano Novo. Os horizontes descortinados em esperança. Ainda que esse instante de extremo fulgor, porque assim é a vida, se faça acompanhar da obscuridade das incógnitas. Bem sabemos que, no próximo dezembro, alguns de nós não estaremos mais aqui. Nunca mais fogos de artifício, nunca mais estrelas piscantes nos céus da cidade, nunca mais o riso de Heloísa Gomyde.
         No dia seguinte, a moça da Globo News, ainda em Copacabana, noticiava um assalto de turista em hotel do bairro. Oh, não, tudo de novo. Mal começou o ano, outra vez as catástrofes de sempre. O mesmo horror diário da cidade anarquizada e violenta. Muito violenta. Mas outra vez o filtro da Heloísa se pôs em funcionamento. E, embora isso não fosse suficiente para reverter os fatos, ela os tornava suportáveis. Eu não sei explicar isso. Como explicar os mistérios? Vai ver, a alma da Heloísa tem luz de amanhecer, tem a força das tempestades, tem a vastidão dos céus, tudo junto, tudo misturado, tudo resultando numa pessoa que carrega consigo substâncias poéticas naturalmente indefiníveis.

         E, por fim, na sexta-feira à noite, no programa Em Pauta, ela apareceu novamente para falar das pessoas que queriam ser felizes tomando banho de mar à noite. Seu vestido vermelho, sob a luz do cinegrafista, trouxe-a integralmente como mulher para a telinha da TV. Bonita reportagem. Toda a poesia da vida concentrada numa pessoa e nas coisas que ela dizia. Tomara que seja sempre assim, daqui em diante, e que esta brilhante profissional do jornalismo – a moça da Globo News, Heloísa Gomyde – venha a nos lembrar sempre, com sua insistência poética, que a vida vale mesmo a pena. Até quando ela se faz de absurdos e calamidades.