domingo, 30 de novembro de 2014

Distâncias: longe e perto

Distâncias: longe, perto

Aonde você vai, meu amor?
— Vou para longe, junto com o vento,
para perto dos pirilampos,
viver com pintassilgos
e brincar com o lobisomem!

Aonde você vai, meu amor?
— Vou para longe, junto com a brisa,
para perto dos passarinhos,
andar descalça para sempre
e mergulhar na correnteza do rio!

Lá se foi para longe o meu amor,
viver numa casa com varanda,
acender lamparinas
e chamar as fadas.

Lá se foi para longe o meu amor
acender fogueiras nos campos
e catar estrelas cadentes
como se fossem simples avencas.

Se algum dia eu for para longe,
quero ir para perto do meu amor,
pela mesma estrada poeirenta,
em sua varanda de surpresa aparecendo.

Vou surgir de dentro de uma avenca,
e de noite ser sua luz de lamparina,
e a alegoria de amor que mais lhe encanta.
E aí, meu bem, vou pôr um CD de Chopin,
para suprimir definitivamente as distâncias
e transformar o longe em perto.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Superfícies e subterrâneos


é do nosso direito perguntar tanto sobre a vida? de onde veio? para onde vai? por que assim e não assado?

A vida, em certo ponto do tempo, me deixou com a impressão de que tudo começa e acaba diariamente. Um instante é a claridade, outro, o espasmo do escuro. Não obstante, eu resisto e sobrevivo em meu espelho, entre traços de memória e simples rugas que desencobrem a finitude. Rodopio no redemoinho dos relógios, sem discernimento dos começos e fins, conhecendo apenas a hora dos relógios, mas nunca o sem tempo, outro nome do eterno. Estou no mundo, sozinho nas multidões, tateando no meio dos ruídos, sabendo que no acerto das contas o resultado final é o silêncio irreversível.
Fujo, todos os dias eu fujo; escapo das ruas, escapo dos ruídos, escapo da poeira; me transformo em vento e planta, me disfarço de rocha, me esculpo em argila, numa evasão em que vou ao encontro das chuvas cálidas que dissipam tristezas, águas mornas que desde sempre deram fim a todas as minhas sedes. Sempre que chove calidamente, uma semente se retesa para aflorar na terra, ou uma mulher se prepara para amar e acolher em si o corpo de alguém.                   Até acho que a vida, fora do poema escrito, é mais poesia do que se pode supor. Mas é vida efêmera, perdida na mortalidade e no transitório. Nela, quando falta o encantamento, a aniquilação se excede. Deve haver, pois, algum antídoto na palavra, que serve para atenuar nossa incapacidade de alterar as coisas. Em certo sentido, escreve-se e se lê para encarar a morte, não com punhais e metralhadoras, nem com lágrimas e rezas, nem com apatia e desolação, mas com palavras resistentes que jamais sejam ecos de qualquer medo. Ou seja, uma linguagem da bravura, da guerrilha e das barricadas; de um lado o homem, do outro uma metafísica incompreensível.  
        Por que o homem vive tão diferente dos bichos e das plantas? Ou mesmo das rochas que se deixam amar pelos ventos? Por que durar indefinidamente, ser mais que as plantas ou os bichos, ou que as rochas e os ventos em sua dança de saltimbanco? Por que querer ser mais do que o nada que se é? 
        Tenho tantas questões, pergunto tanto e não sei responder. Então, quando nada mais é possível de fazer, me refugio nas superfícies e nos subterrâneos da vida, tal qual ela é: às vezes tão clareada, outras vezes tão sombria, mas ainda assim vida.